Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR):A VISIBILIDADE DO USO DA FORÇA.


O uso da força é um instrumento indispensável a qualquer Estado, cuja responsabilidade pela sua aplicação é atribuída aos seus funcionários, especialmente aos responsáveis pela aplicação da lei, fardados ou não, que exerçam poderes policiais, em especial poderes de captura e de detenção.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Para isso todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, ou seja, os agentes da lei, juram respeitar a Constituição e demais leis da República, mesmo com o sacrifício da própria vida, sendo que a sua responsabilidade para com a sociedade vai muito para além da aplicação da lei, onde não raras vezes, têm também de usar a força, sempre que necessário.

Escrevo o presente artigo, por motivo dos acontecimentos da semana passada, ocorridos no Bairro da Jamaica, no Seixal, em que elementos da PSP foram filmados numa alteração da ordem, onde tiveram de recorrer ao uso da força e novamente esta semana, com outros dois vídeos. O primeiro referente a uma detenção de um indivíduo na baixa de Lisboa, por elementos da PSP, que mais uma vez tiveram de usar a força e o segundo vídeo referente a uma intervenção da PSP com adeptos do Ermesinde Sport Clube 1936, onde tiveram também de usar a força, para evitar confrontos com os adeptos do São Pedro da Cova, tendo os três episódios, como características em comum, o facto da PSP ter usado a força para fazer cumprir a lei e a ocorrência ter sido filmada.

No que diz respeito ao uso da força nas ocorrências atrás referidas, verifica-se que não foi usada força letal, tendo unicamente os agentes policiais recorrido à força física, bastões e algemas, pelo que não está em causa o uso das armas de fogo, cujo uso também está legitimado por parte dos agentes policiais, mas nunca nas situações identificadas pelos vídeos, o que consubstanciaria excesso do uso da força.

Assim e para cumprimento da sua missão, os agentes da lei estão sujeitos a todas as regras que qualquer cidadão está obrigado, para além daquelas que internamente os regem, tais como o estatuto profissional, o código deontológico e o regulamento de disciplina, que os obrigam a observar um conjunto de deveres e que lhes limitam os direitos, tendo como responsabilidade garantir a segurança de todas as pessoas e bens, durante as 24 horas por dia, 365 dias por ano, faça chuva ou faça sol, nos dias, horas e condições em que o vulgar cidadão se recolhe no aconchego familiar, tendo como única recompensa o reconhecimento da população que serve e a consciência que desenvolve uma profissão essencial num estado de direito democrático, onde sem segurança, não pode existir liberdade.

Mas, todos reconhecemos que a sociedade nos últimos anos verificou uma evolução, refletindo-se essa evolução também na atitude dos cidadãos perante a aplicação da lei e respetivas atuações policiais, exigindo respostas mais moderadas e ponderadas no combate ao crime, em oposição à força musculada, sendo por isso as atuações policiais sujeitas a um maior escrutínio pela sociedade.

Logo, são legitimas as reações que os vídeos referidos no início do artigo provocaram em todos os sectores da sociedade, sendo, no entanto, novidade o ruído que provocaram, especialmente dois dos três vídeos referidos, por motivos que nos iremos de abster de abordar neste artigo.

Concluindo-se assim, que qualquer ocorrência policial pode ser filmada, encontrando-se por isso todos os agentes da lei avisados, ​​de que o público está constantemente a observar o que fazem e como fazem, sem prejuízo desse escrutínio ser necessário para proteger os que cumprem a lei e expor aqueles que não cumprem. Quem não deve, não teme.

Por isso, e em resposta ao aumento desta atenção do público, torna-se necessário introduzir novas medidas de proteção de todos os agentes da lei, onde se incluem o uso das “body cameras”, que apresentam como vantagens o aumento da segurança dos agentes da lei e dos próprios cidadãos, porque estes passarão a agir de modo diferente, ao saberem que estão a ser filmados, encorajando o bom comportamento tanto dos agentes da lei, como da população, levando a uma diminuição da violência e do uso da força.

Outra das vantagens verificada é o aumento da proteção contra falsas acusações de má conduta ou de excesso do uso da força, podendo as “body cameras” fornecer provas do que realmente aconteceu em qualquer que seja a ocorrência, sendo ainda uma excelente ferramenta para a formação dos agentes policiais, na análise de lições identificadas e o retorno de experiências.

Verifica-se ainda que o uso das “body cameras” tem um grande apoio por parte da população, identificando-se no entanto como desvantagem, a invasão da privacidade dos cidadãos, expondo vítimas e testemunhas de crimes, prejudicando as relações de confiança entre os agentes da lei e a população.

Ponderando as vantagens e as desvantagens do uso das “body cameras”, conclui-se que o seu uso será benéfico, tanto para os agentes policiais, como para os cidadãos, porque os vídeos que são tornados públicos, que mostram atuações onde se recorre ao uso da força, nunca revelam o que realmente aconteceu, esquecendo-se facilmente que as funções de agente da lei são de elevado risco, sendo frequentemente colocados em situações em que são obrigados a tomar decisões em frações de segundo, muitas delas de vida ou de morte.

Devendo no entanto, todas as ações realizadas pelos agentes da lei, especialmente quando usam a força, ser avaliadas e analisadas por quem de direito, evitando-se os julgamentos precipitados, até que todos os factos que conduziram à ocorrência sejam conhecidos, porque é especialmente importante julgar essas decisões com base apenas nos factos que foram conhecidos ou percebidos pelo agente da lei durante a ocorrência, em oposição aos factos que se tornaram conhecidos em momento posterior, através de vídeos.

Sendo ainda verdade que é do desconhecimento da generalidade dos cidadãos quais as disposições legais, que regem o uso da força por parte dos agentes da lei, pelo que facilmente concluem como desadequada o uso da força, como provam as centenas de queixas contra os agentes da lei e a baixa percentagem de punições, concluindo-se pelo desfasamento entre aquilo que os cidadãos percecionam como uso excessivo da força e aquilo que a lei prevê.

Independentemente das normas que regem o uso da força, é importante que os agentes da lei usem o bom senso e a devida diligência ao determinar se devem ou não usar a força e exatamente que força usar, porque todos os cidadãos pretendem, legitimamente, que os seus agentes da lei, desempenhem as suas funções com elevados padrões éticos, cabendo-lhes aderir a esse padrão e agir sempre no interesse de salvaguardar vidas e bens, preservando e protegendo, ao mesmo tempo, os direitos de todos, particularmente dos inocentes.

Por isso, sempre que o uso legítimo da força seja inevitável, os agentes da lei deverão: Utilizar a força com moderação e a sua ação deve ser proporcional à gravidade da infração e ao objetivo legítimo a alcançar; Minimizar os danos e as lesões, e respeitar e preservar a vida humana; Assegurar a prestação de assistência e cuidados médicos às pessoas feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível, e; Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas próximas da pessoa ferida ou afetada, tão rapidamente quanto possível.


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